A primeira metade do século XX foi dramática para
os povos europeus - duas grandes guerras, a deslocação do eixo de decisão
mundial para os EUA, que já se vinha adivinhando no século anterior, a
Revolução Russa de Outubro de 1917 e vários outros conflitos, de ordem militar,
política e social, transformaram o velho continente. As alterações fizeram-se
sentir em termos espaciais, sociais e de mentalidades.
Após a Guerra de 39-45, a concretização da
Comunidade Europeia do Carvão e do Aço estimulou a ideia da criação de uma comunidade
alargada, inicialmente de cariz económico, com o objetivo de uma integração
mais profunda. Em 1957 é criada a
Comunidade Económica Europeia ou Mercado Comum, bem como a Euratom que, em
1992, pelo Tratado de Maastricht, se converterão, juntamente com a CECA, na
Unão Europeia, e cujo objetivo primordial era “ a promoção da paz, dos seus valores e do bem-estar dos seus povos”. Desde o
início (1957) que se tinha em vista uma integração que ia além da economia e,
realmente, foi isso que, gradualmente, se verificou.
As
primeiras vezes que visitei outros países europeus, vários eram os
constrangimentos com que me defrontava: demoras na alfândega, quer à saída,
quer à entrada; uma moeda diferente por país; a necessidade de fazer conversões
para verificar os preços; o incómodo de transportar vários porta-moedas, um por
país a visitar e a sensação de se estar num outro “planeta”. Logo que a livre
circulação de pessoas, preconizada em 1957, se efetivou, desapareceram os
protocolos alfandegários, uma moeda comum começou a circular e a relativa
igualdade perante a lei passou a dar uma “sensação de confiança” quando estamos
fora do nosso canto. Na perspetiva do turista só havia vantagens; como na
perspetiva do empresário, do estudante e do trabalhador. Éramos um grande país,
com diferentes línguas e costumes, mas com leis-base iguais. Em conjunto
tínhamos força para enfrentar as economias dos EUA, do Japão, do Mercosur, da
Asean, dos Países do petróleo, …, pelo menos em termos comerciais, dada a
vantagem que evidenciávamos na negociação com as antigas colónias. Eu era
uma europeísta convicta.
Com o
decorrer do tempo, as políticas de bastidores, os alargamentos demasiado
rápidos (principalmente os que aconteceram já este século) e obscuros (porque
deturparam os critérios estabelecidos), a legislação flutuante e personalizada
e a ingerência, cada vez mais profunda, na política e na economia de alguns
países (nomeadamente em Portugal), criando fortes injustiças, transformaram-me
em eurocética.
A
efetivação do Brexit não me surpreendeu totalmente. O Reino Unido nunca esteve
de “corpo e alma” na CEE ou na UE.
Portugal
não esteve no conjunto dos países fundadores, nem o Reino Unido. Procuraram a
integração porque quiseram. Fizeram a sua candidatura e, face aos critérios
exigidos, foram aceites. Uma vez no grupo passaram a estar sujeitos a direitos
e deveres. Não é possível estar, constantemente, a reclamar situações de
exceção, como acontece com o Reino Unido. Até hoje, sob a ameaça da saída da
UE, conseguiu sempre ficar com a melhor parte da integração. Ora, desde o tratado de Lisboa que é possível
bater com a porta. Os britânicos só foram coerentes com os seus atos. Mas não
com a sua vontade… Gostavam da integração económica, de um mercado sempre
disponível, de trocas comerciais fiáveis, de comandarem financeiramente a UE e
até de passar férias no sul da Europa; mas não gostavam da livre circulação de
pessoas porque abria as portas à imigração e aos refugiados; não gostavam da
ingerência de Bruxelas na sua casa, nem da burocracia. E, sobretudo, ainda pensam
como a metrópole de um grande Império, que já não são.
Neste
momento, os problemas para o Reino Unido (internos e externos), bem como para a
União Europeia, não são totalmente previsíveis. É a primeira vez que acontece
tal situação. Os problemas internos, nomeadamente os de cisão política, não nos
compete a nós resolver ou opinar. Quanto aos problemas para a Comunidade, agora
amputada de um membro economicamente forte, espero que sejam bem analisados,
que não sejam resolvidos por políticas de bastidores e que sejam geridos com
responsabilidade e sem regras de exceção. Quanto mais não seja, para prevenir
futuras situações semelhantes.
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